O Guardião que a Chuva Não Levou
- Lorena Lisboa
- 17 de jul.
- 2 min de leitura
Em tempos de alagamentos emocionais e transbordamentos silenciosos, há quem sinta a alma submergir lentamente , não apenas pela força da vida, mas pela falta de raízes que a sustentem. A memória dos lugares sagrados começa a se afogar quando as chuvas do mundo interior não encontram margens firmes para repousar. Gramados simbólicos, montanhas de afeto, vilas antigas, tudo ameaçado por uma água que não molha apenas, mas leva.

É nesse cenário de perda e lembrança que alguns sonham com montanhas. E nelas, uma casa antiga, feita de simplicidade e cheiro de avó, se mantém firme, como se dissesse ao tempo: "aqui, a memória é abrigo".
Dentro dela, repousa uma imagem: não um santo esculpido por mãos famosas, mas a representação de um ser comum, moldado por silêncio, ausência e história. Ele não tem nome estampado nas paredes, mas é chamado com afeto por aqueles que lembram ,mesmo sem tê-lo conhecido. Ali, ele é “o Guardião”. Aquele que não foi esquecido pelos que sabem que até as ausências têm rosto.
Ao lado da imagem, velas e promessas.Não há ouro, nem luxo, mas há altar. E isso basta.
Dizem que foi ele quem sustentou a região com sua força, mesmo tendo partido tragicamente. E mesmo tendo sido engolido pela vida antes da hora, reaparece agora... inteiro, prateado, digno, como símbolo de algo que não pode mais ser ignorado: a ancestralidade que pede voz.
Talvez o mundo tenha se afastado das suas raízes por medo de olhar para aquilo que dói. Mas não se constrói o novo sem honrar o que veio antes.A imagem do Guardião lembra:ninguém está perdido quando há quem o reconheça no invisível.
O que se ergue como tradição, quando sustentado pelo amor, torna-se farol em tempos nublados. Mas há um risco: o da chuva. Não a chuva do céu, mas a chuva da indiferença, da pressa, do esquecimento.“Isso, se a chuva não levar”, diz a voz ancestral.E ali está o dilema: quem vai manter viva a chama que aquece a memória dos que vieram antes?
Cada um de nós carrega uma linhagem. E nela, um Guardião adormecido.Pode ter sido o avô esquecido, a bisavó parteira, o tio artista, a tia curandeira, o irmão silenciado, alguém que não teve tempo de deixar palavras, mas deixou marcas na alma do sangue.
Quando esses Guardiões aparecem nos sonhos, não é devaneio.É convocação.
Convocação para acender velas onde a luz se apagou.Para preservar a casa no alto da montanha, mesmo quando tudo ao redor se desfaz.Para tornar-se, também, Guardião de algo maior:da memória sagrada, da beleza esquecida, da verdade que cura.
Não se trata de passado.Trata-se de ponte.De devolver dignidade àquilo que o tempo tentou enterrar. De ouvir a chuva, mas não deixar que ela leve o que ainda pode florescer.
E talvez, quando a nova geração olhar para trás e enxergar as imagens nas paredes da alma, sinta não apenas saudade...Mas pertencimento.
Porque um povo que reconhece seus Guardiões não se afoga. Ele navega, com consciência, com amor, com raízes. Paz e Luz! @Prosa.terapia



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